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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

MONOCELHO 2024 - ZÉ PEREIRA

O Zé Pereira teve um papel decisivo no Carnaval brasileiro. O folguedo é considerado pela historiografia brasileira como o precursor do carnaval de rua, popular e do pobre no Brasil.

Foi José Vieira Fazenda, no artigo O Zé-Pereira, publicado em A Notícia, de 15 de fevereiro de 1904, quem apresentou José Nogueira de Azevedo Paredes à historiografia do Carnaval brasileiro, reclamando para o sapateiro luso a autoria da introdução dos bombos portugueses no Carnaval carioca. 

O MONOCELHO, com a contribuição de Paula Lenzi, Maurício Toledo e Marcos Oliva se debruçou sobre a história deste suposto criador do Carnaval na cidade do Rio de Janeiro e descobriu que alguns fatos ainda permanecem obscuros.

Um deles é relativo aos vivas dos patrícios endereçados à Zé Pereira e não Zé Nogueira como relatou o jornalista Sergio Cabral e pode ser visto abaixo:



O Monocelho então criou sua versão para o fato ainda não esclarecido:
 

"Zé  Nogueira era também conhecido como o Zé Peludo e amigos mais próximos deram a ele a alcunha de ZÉ PELEIRA. O português era um peludo convicto e carregava uma bela monocelha na testa! Os gritos de Zé Peleira foram confundidos pelo público na medida em que uma pequena multidão se reunia em torno do folião antes solitário  ... daí Zé Peleira foi entendido como Zé Pereira!"



Acima temos a imagem de um desconhecido monocelho estampando com seu sorriso a alegria que nosso mitológico herói provavelmente carregava ao desfilar com seu bumbo. Abaixo segue a letra da música e no link a gravação realizada por Toledo e Oliva: https://youtu.be/170OvQ-8FEU?si=sxBjktzahFIgv4Gn 









sábado, 14 de outubro de 2023

DARCY RIBEIRO: intelectualidade e pensamento crítico latino-americano.


"Foi com grande alegria que recebemos a notícia de que nosso trabalho intitulado Marcha-Enredo em homenagem à Darcy Ribeiro e Brizola seria o epílogo desta importante publicação científica/cultural produzida pela UFMG/CNPq. Mais uma façanha de nosso majestoso bloco carnavalesco. Aproveitamos para agradecer a oportunidade ao Grupo de Pesquisa História Intelectual: narrativas, práticas e circulação de ideias e a organizadora do livro professora Adriane Vidal Costa."


Marcha-Enredo em homenagem à Darcy Ribeiro e Brizola

Introdução

Foi com grande alegria que participamos do Seminário Internacional - 100 anos de Darcy Ribeiro apresentando a composição musical “Marcha-Enredo em homenagem à Darcy e Brizola”. Criamos a música e o vídeo para homenageá-los, destacando as suas grandes sobrancelhas. A irreverência e humor foram o combustível da criação que teve como mote principal, brincar o Carnaval de 2022.

O enredo e a música foram desenvolvidos para o Grupo Recreativo de nome MONOCELHO, um pequeno bloco carnavalesco localizado no Bairro de Santa Teresa no centro do Rio de Janeiro. As atividades carnavalescas do MONOCELHO tiveram início em 2009 e sempre foram pautadas por pesquisa e produção. Pesquisar para fundamentar o trabalho de criação e produzir marchinhas, fantasias, camisetas e adereços para apresentação nas ruas de Santa Teresa. Essa foi a sistemática de trabalho do grupo em seus 14 anos de existência. Em 2022, essa sistemática de pesquisa e produção ganhou uma nova perspectiva ao participar do Seminário Internacional 100 anos de Darcy Ribeiro: intelectualidade e pensamento crítico latino-americano,promovido pelo Grupo de Pesquisa História Intelectual: narrativas, práticas e circulação de ideias (UFMG/CNPq).

O Bloco homenageia personagens com sobrancelhas notáveis. Dessa forma, já fez enredos e composições inspirados por Frida Kahlo (2010), Julio Cortázar (2015), Vinícius de Moraes (2014) e outros tantos monocelhos identificados nas pesquisas realizadas. No ano passado, em 2022, exaltou um momento histórico sem precedentes para a história do Rio de Janeiro quando, no ano de 1982, as sobrancelhas de Darcy Ribeiro e Brizola “se entrelaçaram para criar um projeto-educação.”

Nossa criação teve como ponto central, festejar o encontro dessas duas figuras históricas em território carioca. O gaúcho Leonel Brizola e o mineiro Darcy Ribeiro reinventando o carnaval, recriando, criando e transformando a história do Rio de Janeiro.A seguir, apresentamos nossas inspirações e motivações, o processo criativo e o resultado alcançado, consolidando, assim, nossa contribuição para este livro, fruto do Seminário Internacional - 100 anos de Darcy Ribeiro.

Breve histórico das atividades do Grupo Recreativo MONOCELHO

O Carnaval de 2022 foi cercado de restrições sanitárias por conta, ainda, da pandemia da COVID-19. Dessa forma, nossa festa de carnaval foi reservada e realizada em local fechado no dia 20 de fevereiro de 2022, em um sábado de pré-carnaval. Na ocasião, aconteceu o primeiro ensaio da composição que foi documentado e está disponível no Youtube.[i]

O resultado de nosso trabalho em torno da homenagem a Darcy Riberio e Brizola pelos seus centenários teve uma cronologia bem definida. Logo após o carnaval de 2021, ainda sobre as restrições da pandemia, decidimos que os grandes homenageados de 2022 seriam Darcy Ribeiro e Brizola. Foi também durante o ano de 2021 que submetemos nossa criação artística ao crivo dos organizadores do Seminário Internacional - 100 anos Darcy Ribeiro.No dia 29 de abril de 2022, apresentamos nossa contribuição participando da Mesa “Darcy Ribeiro: memórias e (auto)biografias”.  O Seminário aconteceu em formato remoto e foi transmitido pela plataforma doYoutube.[ii] Durante a apresentação, a Professora Lúcia Velloso Maurício fez um adorável comentário que queremos destacar aqui: ​“Excelente, Darcy adoraria esta homenagem, com uma irreverência carioca que Darcy amava e fez dele cidadão carioca. Parabéns!!!”

No dia 22 de junho de 2022, participamos do Ciclo de Webinários “O Brasil como problema”, na sua IX edição intitulada Darcy Ribeiro e o patrimônio cultural, promovido pela Fundação Darcy Ribeiro. A apresentação aconteceu em formato remoto e foi transmitida também pelo Youtube.[iii] No dia 16 de outubro de 2022, participamos do evento de Extensão Universitária promovido pelo Decanato de Extensão da Universidade de Brasília. No evento intitulado “Quinta Cultural” pudemos novamente apresentar nosso material audiovisual.[iv]

A partir de uma pesquisa no Google com a palavra-chave Blog Monocelho é possível acessar parte da história do Bloco. O Blog –http://monocelho.blogspot.com/– é uma espécie de memória com uma linguagem de diário escrita pelo fundador/presidente do Bloco, Marcos Oliva. Em 2009, ainda não existiam os grupos de WhatsApp e decidimos fazer um Blog e um perfil no Facebook para registros e comunicação. Ao longo dos anos, o Blog foi sistematicamente atualizado e contém um registro rico em detalhes e conteúdos sobre as atividades do Grupo Recreativo. Dessa forma, no Blog, é possível verificar e ter acesso às composições e materiais produzidos desde 2009.[v]

A partir do conteúdo do Blog é possível ter acesso sobre as motivações, inspirações, processo de pesquisa e processo criativo que levou a elaboração de cada enredo desenvolvido. Como exemplo, expomos a seguir o registro no blog de nossa pesquisa em 2021:

Esse ano a pesquisa foi intensa. Após identificar que Darcy e Brizola tinham nascido em 1922, descobrimos que outros personagens importantes também nasceram naquele ano. José Saramago se juntou aos dois rapidamente, suas mega sobrancelhas desfeitas se conectaram perfeitamente aos outros dois personagens sobrancelhudos. Como pesquisa é uma atividade muito reveladora surgiram descobertas interessantes. Descobrimos que Lima Barreto morreu naquele ano e que ocorreu o nascimento de Paulo Mendes Campos logo depois da Semana de Arte Moderna de 22. (OLIVA, 2022) - 16 de dezembro de 2021 - http://monocelho.blogspot.com/



[i] Disponível em: https://youtu.be/jWkX2G1vpnc

[v]A cronologia dos enredos do Grupo até 2022 é: 2009 - Fundação do Bloco - 14 de fevereiro de 2009 - sábado de pré-carnaval - local: Bar do Gomez- Santa Teresa - RJ; 2010 - Enredo: Frida Kahlo; 2011 - Enredo: Monteiro Lobato; 2012 - Enredo: Bondinho de Santa Teresa; 2013 - Enredo: Zé do Caixão; 2014 - Enredo: Vinícius de Moraes; 2015 - Enredo: Júlio Cortázar; 2016 - Enredo: Bullying ; 2017 - Enredo: Depilação da Nação (neste ano não registramos nossa produção); 2018 - Enredo: Darcy Ribeiro; 2019 - Enredo: Mafalda; 2020 - Enredo: Homenagem à João Motta; 2021 - Enredo: Zé do Caixão (reeditado em função do falecimento de José Mojica Marins); 2022 - Enredo: Darcy e Brizola; 2023: Macaco Tião.


Pretexto - inspirações e motivações

Meu Carnaval não é de clube. Quero ver é o desfile no Sambódromo.

(RIBEIRO,1988 p.216)

Com o Centenário Darcy-Brizola (1922-2022) abriu-se uma oportunidade para realizar algumas discussões no meio cultural e acadêmico sobre essas duas personalidades ligadas à política e cultura no Brasil. Nossa opção foi contribuir com conteúdo criativo oferecendo música e poesia e, para tanto, desenvolvemos material com base cultural e historiográfica. Dessa forma, trechos da história de Darcy Ribeiro e Brizola foram transformados em letra e música, e inspirados pelo tradicional estilo de marchinha carnavalesca, desenvolvido há cem anos, criamos uma Marcha-Enredo.

O gênero que chamamos de Marcha-Enredo deriva do Samba-Enredo, gênero este criado pelas Escolas de Samba, no Rio de Janeiro, a partir da década de 40 (TINHORÃO, 1980). O enredo conta uma história e leva mensagens para o público. Toda a Escola de Samba desfila contando, através das fantasias, carros alegóricos, evolução, música e letra, uma história e uma mensagem previamente estabelecidas, que chamamos de Enredo. O nosso bloco compõem marchinhas. As marchinhas de carnaval têm, em sua maioria, letras simples, bem-humoradas, irônicas, muitas vezes com duplo sentido, contando fatos da época, acontecimentos políticos, fazendo críticas, e são, no geral, as primeiras composições feitas especialmente para o carnaval, daí o nome “Marchinha de Carnaval”.

Inspirados neste conceito, o bloco desenvolve enredos homenageando uma ou mais figuras que tenham sobrancelhas notáveis. A grande inspiração do grupo são as sobrancelhas, ou melhor, os monocelhos dos personagens! Obviamente, trata-se de um bloco anti-depilação.Uma das inspirações, como já apontamos, é Darcy Ribeiro:

Figura 1 - Darcy e sua sobrancelha esvoaçante - http://www.iea.usp.br/noticias/o-centenario-de-darcy-ribeiro-e-a-educacao-brasileira acessado em 02 de abril de 2023.

Seguindo um roteiro da alegria e da irreverência carnavalesca, começou-se a criar a música com a ideia inicial de que “a Grandeza de Darcy” estaria estampada na sua face, e que a foto que ilustrava o cartaz do Seminário Internacional mostrava bem o significado disso. Ao participar da mesa VI do evento: “Darcy Ribeiro: memórias e (auto)biografias”, abrindo as apresentações daquela tarde de 29 de abril de 2022, Oliva declarou:

Temos uma profunda admiração por Darcy Ribeiro / sua contribuição pela Educação e pela Cultura / sua capacidade intelectual e verve política / sua habilidade de agregar e captar as melhores mentes / os melhores quadros do país / mas o que realmente nos mobiliza, o que realmente nos sensibiliza, é a grandeza, ou melhor, a magnitude da SOBRANCELHA deste homem! 

O Carnaval é o lugar onde o povo pode questionar a ordem estabelecida de maneira lúdica e criativa, onde a população toma posse da via pública e faz dali um lugar de diversão de forma democrática e inclusiva. Durante o carnaval se instaura uma inversão da ordem comum e a pessoa pode sair do seu lugar de hábito e experimentar outra perspectiva da vida. Neste sentido, tomamos a liberdade de "brincar" com o antropólogo, o sociólogo e o professor Darcy Ribeiro.[i]

A geração de Darcy Ribeiro, definitivamente, não era adepta da depilação. Pinça, laser e depiladornão faziam parte do vocabulário desta geração nascida nos anos de 1920 do século passado. Fazer as sobrancelhas era algo impensável para eles. Brizola com sua sobrancelha desgrenhada nos inspirou também e dessa forma foi iniciada a composição: “Sobrancelha Esvoaçante Darcy! /Sobrancelha Revoltada Brizola!”



[i] Ver: BAKHTIN, 2010.

Contexto - fatos e impressões Grupo Recreativo MONOCELHO

O grande legado de Darcy Ribeiro e Brizola para o Carnaval foi a construção do Sambódromo. Se no início do século XX as marchinhas trouxeram organização à festa profana, a Passarela do Samba também promoveu uma importante ordenação ao evento. Podemos então afirmar que a construção do Sambódromo foi uma tentativa bem-sucedida de dar ordem ao carnaval. Mais especificamente, dar ordem ao Carnaval das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.

Às vésperas de completar 40 anos (1984-2024), podemos olhar para a história e compreender a importância deste bem material para a cidade do Rio de Janeiro.

O projeto permitiu levar para aquela região da cidade, não apenas a Passarela do Samba, mas também os instrumentos de lazer e cultura que lhe faltavam. Com isso, a Passarela do Samba assumiu outro conteúdo, e se fez mais humana como toda obra de caráter coletivo deveria ser. Organizado o projeto, fixada a solução arquitetural, a grande praça, por razões diversas, passou a constituir um prolongamento natural da Passarela. Daí surgiu a ideia de nela inserir, enriquecendo os desfiles, fazendo-os mais criativos e atraentes. (HELM, 2012) 

A participação do arquiteto Oscar Niemeyer na autoria desta obra mostra a capacidade de Darcy Ribeiro e Brizola em atrair e aglutinar as melhores mentes do país. Este encontro marca um importante momento político de retomada da democracia no país. Encontro este que contribuiu para o fortalecimento da cultura brasileira em torno do Samba e do Carnaval.

Para além do carnaval das escolas de samba, a Passarela se constitui como um espaço cultural para shows e eventos diversos. Durante o ano desempenha também uma função social, pois neste local funcionam escolas municipais e o Programa de Educação de Jovens e Adultos.




Figura 2 e 3 Oscar Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. foto: Acervo Fundar http://www.elfikurten.com.br/2012/02/darcy-ribeiro-um-homem-de-fazimentos.html acessado em 03 jan. 2022 

A importância deste equipamento urbano e sua dimensão simbólica para a cidade pode ser medida pelo lançamento em 2016 da moeda comemorativa estampando a escultura da Praça da Apoteose assinada por Niemeyer. Por conta das Olimpíadas do Rio de Janeiro, uma série de moedas foram lançadas destacando aspectos da paisagem natural e arquitetônica da cidade. Vale destacar que algumas competições das Olimpíadas Rio 2016 ocorreram no Sambódromo e que a mais tradicional delas, a Maratona, teve largada e chegada na Passarela do Samba.

Figura 4 - Moeda comemorativa Olimpíadas Rio 2016 - http://rededoesporte.gov.br/pt-br/noticias/programa-de-moedas-comemorativas-dos-jogos-ja-vendeu-mais-de-500-mil-unidades acessado em 09 de abril de 2023

O nome oficial deste monumento da cultura brasileira é Passarela Professor Darcy Ribeiro. É curioso perceber que apesar de todo legado de Darcy Ribeiro, o Sambódromo continue a ser chamado popularmente de Marquês de Sapucaí, nome da Rua sobre a qual foi construída a Passarela. Nas duas imagens abaixo podemos ver a localização da passarela:


Figura 5 e 6  - planta baixa e imagem de satélite da situação e localização da Passarela do Samba - https://www.archdaily.com.br/br/01-32045/passarela-professor-darcy-ribeiro-sambodromo-do-rio-de-janeiro-oscar-niemeyeracessado em 09 de abril de 2023

O historiador e jornalista Alves Marroni (2020) defende em seu artigo que “é chegada a hora de homenagear os pais do Sambódromo". “Tanto Darcy quanto Brizola foram lembrados em alguns carnavais e desfiles, mas de forma bastante tímida", pontua o pesquisador, destacando que o legado que deixaram para o carnaval do Rio de Janeiro é algo extraordinário. A partir da constatação de Marroni, percebemos não apenas uma lacuna cultural, mas principalmente uma oportunidade para o exercício da poesia e da criação. Entendemos que não basta falar e escrever sobre Darcy Ribeiro, devemos também o festejar. Devemos cantar as façanhas e peripécias desses dois importantes realizadores homenageando os pais do Sambódromo: “E o Rio de Janeiro foi palco dessa história/do Povo Brasileiro virando uma nação/Salve a passarela do Samba quanta alegria hoje é Carnaval/Salve Darcy-Brizola salve a educação e viva a nossa escola.”

O processo criativo

Neste trabalho apresentamos um pouco da nossa história enquanto grupo carnavalesco e mostramos como a fantasia nos levou a criar o Bloco e fazer os vários enredos nesses quatorze anos de existência. Bruno Munari (2018, p. 9) faz um estudo sobre a criatividade em seu livro Fantasia:

Para algumas pessoas a fantasia é capricho, bizarria, excentricidade. Para outras é ficção, no sentido de não realidade, desejo, gênio, inspiração. Para alguns camponeses é a dança popular. Para outros é alucinação, ideia fixa, cisma. Pode ser entendida como devaneio, como fantasmagoria, como inspiração e como inclinação. A fantasia também é irregularidade, fazer as coisas ao acaso, à toa.

Foi a partir deste desejo de fantasiar que criamos o Grupo Carnavalesco. Desejo por diversão, criação e busca de originalidade. Desejo de defender uma ideia diferente. Em plena era da depilação, resolvemos defender a não depilação e nos lançamos como um Bloco anti-depilação. Essa história está registrada no blog - http://monocelho.blogspot.com/ - criado em dezembro de 2008 (OLIVA, 2022). Desde os primeiros insights, até os resultados finais, muita coisa foi registrada neste “diário” eletrônico. Foi no dia 15 de dezembro de 2008 que a ideia foi lançada em uma confraternização de final de ano. No blog, o título da postagem foi: “Vamos criar um Bloco de Carnaval”:

Nada como uma reunião de confraternização regada a muita cerveja [...] pois foi assim que surgiu uma ideia [...] vamos fazer um bloco de carnaval!!!!O tema [...] é claro que o tema, ou a inspiração da galera teve como fonte o cara mais doidão do encontro, Edgard, o MONOCELHO. Foi uma inspiração e tanto, numa só tacada a galera batizou o bloco (Monocelho), escolheu o líder (Edgard) e definiu os homenageados: Monteiro Lobato e Frida Kahlo.A coisa, portanto, ainda está em fase de planejamento, mas já foramencomendados uma marchinha e os estandartes.

Aproveitando este momento de registro textual e histórico, é importante destacar que o Bloco só aconteceu de fato por conta de pequenos acontecimentos e fatores. Um fator determinante foi a contribuição do compositor Guilherme Guimarães, que, naquela data, morava em Barcelona e recebeu uma encomenda um tanto inusitada: “fazer uma música falando de sobrancelhas cabeludas.” O artista, em um primeiro momento, não fez a composição solicitada pois não compreendeu plenamente o briefing proposto, mas ao visitar o Rio de Janeiro no início do ano de 2009, durante um encontro presencial com integrantes do grupo, pegou o violão e cantou: Tem pêlo no Nariz / Tem pêlo na Orelha / Tem muito mais / Na sobrancelha!

A partir daquele momento o bloco deixou de ser uma ideia e passou a ter materialidade, pois o refrão passou a transmitir o conceito almejado. Com o refrão, foi possível avançar, conquistar simpatizantes e se fazer entender enquanto ideia carnavalesca. Não tardou e o refrão se transformou no “hino do monocelho” pelas mãos de Paula Lenzi que concluiu a composição:

Tem pêlo no nariz / Tem pêlo na orelha / Tem muito mais  / Na sobrancelha / Tem gente que anda falando / Mas que na verdade / A pinça vem usando / Mas se você reparar bem / É tanto pêlo que o macaco até inveja tem / Tem pêlo no nariz / Tem pêlo na orelha / Tem muito mais / Na sobrancelha / Deixa essa gente falar / Você sabe muito bem / Quem desdenha quer comprar / Quando você menos esperar / A moda pega e todo mundo vai te imitar.

Uma gravação demo da composição foi feita com o grupo Arrumando o Coreto na praça São Salvador (MONOCELHO, 2009) e pode ser vista no Youtube.[i] A criação do Bloco no ano de 2009 tem um fator histórico, ela foi consequência da explosão do Carnaval de Rua no Rio de Janeiro que ocorreu no início dos anos 2000 conforme apontado por Herschmann (2013):

Poder-se-ia dividir em “duas ondas” este segundo momento de crescimento dos blocos. Uma, na primeira metade da década passada, em que claramente havia uma preocupação da juventude que frequentava o circuito da Lapa com a retomada e expansão da “tradição do samba de raiz” (HERSCHMANN, 2007): traçam-se parâmetros que vão nortear a criação de alguns blocos sempre citados como referências fundamentais, tais como Cordão do Boitatá, Boi Tolo e Céu na Terra (que tradicionalmente arrastam centenas de milhares de pessoas pelasruas da cidade). E, a “segunda onda”, que começou na segunda metade da década inicial do século 21, que veio se somar ao movimento sociocultural existente, e que colocaram no epicentro os blocos temáticos, os blocos das fanfarras, os cortejos de rua que incorporam outros ritmos (e outros gêneros musicais atípicos do mundo do samba) e, ainda, os blocos que estão ligados à trajetória de músicos profissionais. Poder-se-ia mencionar como exemplos destes blocos os seguintes agrupamentos: Sargento Pimenta, Orquestra Voadora, Monobloco, Bloco da Preta, Cinebloco, Gigantes da Lira, Fogo & Paixão e Super Mario Bloco, entre vários outros. (HERSCHMANN, 2013)

Foi justamente por conta desta explosão do carnaval de Rua no Bairro de Santa Teresa e inspirados pelo Bloco Céu na Terra, que um grupo de amigos resolveu criar o Monocelho. O Céu na Terra, criado em 2001, tinha se transformado em um “megabloco” e ficou inviável participar da folia por alguns motivos. O principal problema ficava por conta dos filhos pequenos e recém-nascidos. A principal diversão do Monocelho era ver o Céu na Terra passar e depois disso apreciar o resto da festa. O fato foi documentado pelo GloboNews em 2014 (MONOCELHO, 2014) em uma reportagem tida como furo de reportagem.[ii]

O Monocelho sempre foi um Bloco pequeno que tinha como característica entreter pais e crianças pequenas. O Bloco nos anos de 2010 (Frida Kahlo) e 2011 (Monteiro Lobato) conseguiu atrair algumas dezenas de foliões, mas no ano de 2014, ele estava visivelmente menor e foi motivo de brincadeira por parte do jornalismo da Globo News, que apresentava o Bloco como “o único Bloco do Rio de Janeiro que diminuiu de tamanho.” (MONOCELHO, 2014)

A brincadeira de 2014 pegou e a zoação continuou em 2015. De fato, o bloco continuava diminuindo, as crianças em 2015 já estavam crescidas e não se interessavam muito pela diversão dos pais. Naquele ano o Bloco homenageou o escritor Julio Cortázar contando uma estória surrealista do encontro do argentino com a pintora mexicana Frida Kahlo em plena Santa Teresa. A versão demo da música com participação do trompetista pode ser ouvida no link:https://youtu.be/jKvfEnBvwsc.  O jornalista Paulo Marcelo Sampaio foi às redes, via Facebook,“zoar” o grupo contando o que presenciou naquele ano:

No sábado de carnaval, o Monocelho foi à rua mais uma vez. E confirmou a vocação ao fracasso, que foi, é e sempre será o seu maior objetivo. O trompetista, que faria um solo na introdução da marchinha desse ano, fugiu, desapareceu, escafedeu-se. O tocador do surdo – esse que vos escreve, mesmo sendo chamado de benemérito – tomou esporro do diretor da bateria. Tocava em ritmo de samba. Não marcava o compasso das marchinhas. Foi substituído por um ritmista um pouco pior. O puxador, apressado, tinha que sair logo para outro bloco. Maguilinha, com seus pratos, chegou faltando cinco minutos pra terminar o baile. Tudo acompanhado atentamente por João Motta, um dos fundadores. Ele não cantava, não dançava. Uma animação contagiante. Oito pessoas – isso mesmo – oito pessoas fizeram a farra. Até onde iremos? Não sei. O que sei é que seremos cada vez menores. Até o final dos tempos. (MONOCELHO, 2015b)

O conteúdo da postagem de Paulo Marcelo Sampaio nos remete a uma das frases mais emblemáticas de Darcy Ribeiro: “Meus fracassos são minhas vitórias”. Abaixo segue um raro registro fotográfico daquele dia realizado por Eleonora Alves:



Figura 7 - acervo do autor - Carnaval 2015 na Mansão Hilda - Da esquerda para a direita: Teresa, Iná, Fatinha, Cristiano, Paula Lenzi, Paulo Marcelo, Marcos Oliva, Maurício Toledo, Carlito Gepe, Fernando Santoro (Maguilinha) e em primeiro plano na direta folião desconhecido.

Apesar de estar menor, o Grupo continuou criando os Enredos e as músicas. Em 2018, o Bloco homenageou Darcy pela primeira vez. Naquele ano ocorreu uma espécie de reencontro, pois em 2017 nada foi produzido oficialmente, apenas algumas ideias falando da “depilação da nação”, uma crítica ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff ocorrido em 2016.

O reencontro do grupo foi embalado por uma composição de Paula Lenzi homenageando Darcy Ribeiro. O tom envolvendo crítica política foi presente em algumas composições e enredos. A primeira delas foi em 2012 quando o grupo desenvolveu um enredo que pedia a volta do Bondinho de Santa Teresa e reclamava do prefeito da cidade. Esse mesmo tom se fez presente na composição em homenagem a Darcy Ribeiro em 2018:


 Figura 8 - acervo do autor - Marcha do Darcy 2018

A partir de 2018, essa abordagem com crítica política passou a estar presente em algumas composições. Em 2019, ao homenagear os 50 anos da personagem Mafalda, o grupo fez uma crítica às fake news. Em 2020, a composição pedia a depilação do presidente dizendo que seria melhor “Jair depilado”. Em 2021, por conta do falecimento de Zé do Caixão, foi reeditado o enredo de 2013, quando o artista foi homenageado em vida. Por conta do momento de pandemia, foi o carnaval do “fique em casa” em que produzimos um vídeo e curtimos a folia de forma remota[i](MONOCELHO, 2021).



[i] Ver: https://youtu.be/cM_3lvjoeiA.

 


Figura 9 - acervo do autor - Carnaval do “fique em casa” - Zé do Caixão 2021

Finalmente em 2022, livres da pandemia e com a esperança de que dias melhores viriam, o tom político foi novamente utilizado. Homenagear Darcy e Brizola é uma forma de resistência. Por tudo o que criaram e pelas personalidades que são, Darcy e Brizola, merecem ser lembrados e homenageados. O ano de 2022, do ponto de vista político, nos fez lembrar demais dessas duas figuras tão importantes para a política. Dessa forma, pensamos que 2022 “não deveria ficar pra depois”, pois seria um momento de retomada política e também carnavalesca. Retomada política por conta das eleições de 2022 e carnavalesca por conta do controle da pandemia. Foi assim que surgiu o refrão que iniciou a composição: “sobrancelha esvoaçante Darcy/sobrancelha revoltada Briza/vou cantar em 22 não vou deixar pra depois”.

A composição conta sobre as efemérides do nascimento de Darcy Ribeiro e Brizola (1922). O primeiro nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, o segundo nasceu no Rio Grande do Sul, em Cruzinha, no mês de Janeiro, um pouco antes do Carnaval. Um importante marco histórico daquele ano, a Semana de Arte Moderna de 22, dá o contexto aos versos iniciais que evidenciam o Rio de Janeiro como palco do encontro entre os dois personagens:

Centenário Darcy-Brizola - Monocelho 2022

Paula Lenzi e Marcos Oliva
 
Meu bem eu vou contar uma história
Que aconteceu há 100 anos atrás
Foi em 22 pois é 1922
Em janeiro lá no Sul o Brisa já tá chegando e vem abrir o Carnaval
 
Depois em fevereiro muita coisa aconteceu
Partindo de São Paulo 22 estremeceu
E quando chegou outubro Darcy o mineirinho quis cair no carnaval
E em pleno Rio de Janeiro meu bem a apoteose se fez real
 
SOBRANCELHA ESVOAÇANTE DARCY
SOBRANCELHA REVOLTADA BRIZA
VOU CANTAR EM 22 NÃO VOU DEIXAR PRA DEPOIS
 
Depois continuando essa história
Que começou há 100 anos atrás
Em 82 pois é 1982
Sobrancelhas se entrelaçaram então pra criar um projeto educação
 
E o Rio de Janeiro é palco dessa história
Do Povo Brasileiro virando uma nação
Salve a passarela do Samba quanta alegria hoje é Carnaval
Salve Darcy-Brizola salve a educação e viva a nossa escola
 
SOBRANCELHA ESVOAÇANTE DARCY
SOBRANCELHA REVOLTADA BRIZA
VOU CANTAR EM 22 NÃO VOU DEIXAR PRA DEPOIS

A segunda parte da música conta sobre o encontro dos dois em solo carioca. Darcy Ribeiro e Brizola promoveram uma grande revolução no governo do Rio de Janeiro (1983 - 1987) e se o projeto tivesse tido continuidade poderíamos vislumbrar não apenas uma cidade diferente, mas também um Brasil mais justo, igualitário e educado. Abaixo apresentamos a partitura cifrada da composição:



Figura 10 - acervo do autor - Partitura cifrada da composição “Marcha Enredo em Homenagem ao centenário de Darcy e Brizola.

Considerações finais

Finalizamos nosso texto comentando esta bela imagem quando “as sobrancelhas se entrelaçaram”. A foto simboliza a alegria de um momento cheio de amor, carinho e otimismo. Darcy Ribeiro dá um beijo de gratidão em Brizola, que retribui com um sorriso sincero. Celebram uma parceria que marcou época e deve ser lembrada e relembrada. Foi um momento de esperança que deixou marcas e sementes prontas para germinar. Acreditamos que a música e a poesia têm este potencial: de fazer brotar as sementes desta esperança. As sementes estão adormecidas e necessitam apenas de cuidado, ou seja, de um pouco de cultura, música, poesia e arte:


Figura 11 - “O Beijo” - imagem manipulada digitalmente pelo autor– original em https://www.pdt.org.br/index.php/pela-revolucao-educacional-darcy-ribeiro-idealizou-os-cieps-com-leonel-brizola/


Bibliografia

BAKHTIN, Mikhail M. Cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.

RIBEIRO, Darcy. Migo. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

TINHORÃO, J. M. Pequena história da Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora Círculo do Livro, 1980.

MUNARI, Bruno. Fantasia. Lisboa: Edições 70, 2018.

HERCHMANN, Micael. Apontamentos sobre o crescimento do carnaval no século 21. V.36, n. 2 p. 267-289.  Intecon – RBCC. São Paulo, 2013.

Internet

ALVES, Marroni. Os pais do sambódromo merecem uma homenagem. Diário do Rio, 2020. Disponível em: https://diariodorio.com/marroni-alves-os-pais-do-sambodromo-merecem-uma-homenagem/. Acesso em 03 de janeiro de 2022.

HELM, Joanna. Passarela Professor Darcy Ribeiro - Sambódromo do Rio de Janeiro / Oscar Niemeyer. ArchDaily Brasil, 2012. Disponível em:https://www.archdaily.com.br/br/01-32045/passarela-professor-darcy-ribeiro-sambodromo-do-rio-de-janeiro-oscar-niemeyer Acessado em: 18 abr. 2023.

MONOCELHO. Carnaval 2022. Ensaio Marcha-Enredo. Rio de Janeiro, 2022a.  Disponível em: https://youtu.be/jWkX2G1vpnc.

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Sobre os autores:

 Marcos H.G. Oliva[i]

Maria Paula Lenzi[ii]



[i]Professor Adjunto da Escola de Belas Artes (EBA/UFRJ). Desenhista Industrial (ESDI/UERJ). Mestre em Engenharia de Produção (COPPE/UFRJ) e Doutor em Design (PPDESDI/UERJ). E-mail: mhgoliva@eba.ufrj.br

[ii]Flautista licenciada em Ed. Música (UFRJ). Atuou como professora de música no Projeto Núcleo de Arte (SME-RJ). Especialista em Musicoterapia (CBM). E-mail: paulapaulalenzi@gmail.com